Afazeres, preguiça e falta de motivo que o justifique, têm sido estes alguns dos motivos pelos quais não tenho vindo à Casa de Pasto. É evidente que não é por isto que deixo de levar comidinha à mesa cá do pessoal da Pensão Estrelinha, mas nada que justifique uma postagem simplesmente para marcar presença.
Esta sobremesa já aqui marcou presença, mas desta vez o coulis de frutos silvestres saiu de tal maneira bom que não resisto a deixar aqui a foto
No entanto, naquilo que toca a encher barrigas e a contentar o pessoal, uma das mais recentes experiências foi um pato assado no forno que saiu – modéstia à parte – de comer e chorar por mais.
Antes de partir à aventura, consultei algumas receitas na Internet e desconfiei de todas: atirar com o pato (partido em quatro ou inteirinho da silva, temperado com isto ou com aquilo) sem com mais nada para dentro do forno, foi coisa que não me convenceu. Por isso mesmo, achei por bem dar uma boa cozedura ao pato durante 45 minutos. Perfumei a água com 3 cravinhos (cravo-cabecinha ou cravo-da-índia... o que lhe quiserem chamar) e boa pitada de sal. Enquanto o patito estava na sauna, piquei-o por várias vezes com um garfo. A casa quase ficou perfumada com aquele aroma do Arroz de Pato que a sócia faz e que é, sem dúvida, o melhor do Mundo e arredores. Mas continuemos:
O pato vinha acompanhado por umas moelas de bom tamanho e por um pescoço que mais parecia o de um avestruz anão. Olhei para tais miudezas e decidi logo que não podia desperdiçá-las. Assim, cozia-as previamente durante quase uma hora, só com uma pitada de sal e reservei; ou melhor, escondi e já vão saber porquê.
Entretanto, o pato acabou de cozer, ou seja, achei que a carne estava macia à picadela do garfo. Assadeira com cama de cebola cortada em rodelas finas, uma concha de água da cozedura do pato, o dito cujo lá para dentro, sal, pimenta-preta moída na altura, dois dentes de alho laminados e sumo de um limão para cortar as gordurezas. Forno a 200°C e vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos.
Numa frigideira de barro deitei um generoso fio de azeite e um dente de alho bem picado, juntei as moelas e o pescoço, temperei com pimenta-preta, levei a lume brando e deixei que ganhassem sabor. Depois disso, cortei, retalhei, procedi a um verdadeiro trabalho de nanotecnologia no que diz respeito às moelas (ainda é possível ver vestígios das mesmas na fotografia do arroz; mas, por favor, não digam nada a ninguém), pois cá em casa o pessoal recusa-se a degustar tal iguaria! (recusava-se, digo eu...) O mais aborrecido de tudo foi esfiapar o pescoço do pato, mas com uma faca de corte bem afiada, o trabalho resultou bem.
Um tacho com bom fio de azeite, cebola e alho bem picadinhos, tudo ao lume até ficarem quase transparentes, um copo de vinho branco seco e o arroz lá para dentro, bem envolvido e sempre controlado para não pegar. Logo de seguida, as micro-moelas e os suculentos pedacinhos de carne do pescoço do pato mais umas oito conchas de água de cozer o pato e uma cenoura cortada em brunoise. Quando o arroz começou a abrir, rectifiquei temperos, tirei do lume e passei para o forno, a fim de fazer companhia ao pato.
Quando levei o arroz ao forno virei o pato e aproveitei para o picar mais umas quantas vezes, ao mesmo tempo que o reguei com o caldo. Na fase final, mudei o forno para a função grill e o resultado não podia ter sido melhor. Nos últimos 15 minutos a pele do pato tostou, ficou crocante, estaladiça e o arroz ganhou uma capa seca e suculenta.
Resultado: a carne do pato tão macia que quase se desfazia na boa, a pele estaladiça de pôr as miúdas a dizer: «Oh mãe, tu dizes para não se comer a pele, mas esta está deliciosa!» E o arroz de miúdos desapareceu, tal como o pato.
Ficam as fotografias para aguçar o paladar